terça-feira, 22 de dezembro de 2009

"Muitas vezes não se consegue fazer tudo"

João Castro Neves, que se declara "jurista contratado a recibo verde por uma Câmara Municipal", reenviou em tempos ao provedor, com pedido de explicação para "a aparente diversidade de critérios que o meu comentário documenta", a seguinte mensagem que havia remetido ao jornalista do PÚBLICO José António Cerejo (que conhecia de contacto profissional por telefone):

"Suponho que se lembrará de eu lhe ter falado na questão levantada pela famigerada Lei 12-A 2008, saída em Fevereiro, sobre prestadores de serviços. Você disse-me que não teria disponibilidade para se debruçar sobre o assunto, mas que iria passá-lo ao seu colega João Ramos de Almeida, se eu lhe mandasse os documentos. Envio-lhe o seu e o meu mail (com que enviei os tais documenmatos) para lhe recordar. O PÚBLICO acabou por não publicar nada sobre o assunto (pelo menos que eu tenha reparado) e eu achei sinceramente que se tratava de critérios editoriais, que eu não conheço. Não pude deixar de pensar que a questão afectava sobretudo juristas, que são provavelmente considerados elementos privilegiados da nossa sociedade, em que há tantos privilegiados, de modo que o espaço do jornal deveria ser utilizado em temas mais úteis. E assim, embora com algum desgosto (devo confessá-lo), aceitei aquilo que era, para mim, uma omissão informativa óbvia do jornal.
Agora, imagine a minha surpresa quando, hoje de manhã (como todas as manhãs, desde o primeiro número do PÚBLICO), abro o jornal e vejo a chamada, no canto inferior esquerdo, para uma notícia da pág. 15, sobre 'Juristas a recibo verde arriscam desemprego'. A surpresa transformou-se em espanto quando, na pág. 15, verifiquei que a notícia ocupava toda a página e que era... precisamente sobre o assunto de que trata a lei 12-A/2008, a saber: a pretensa luta do Governo contra os 'recibos verdes' (digo 'pretensa' porque, além de ser mentirosa, não existe luta nenhuma, e, se existisse, não iria lá com as medidas de má qualidade tomadas.) Ao espanto, juntou-se uma nota de ironia: a notícia é redigida pelo mesmo João Ramos de Almeida...
É claro que respeito os critérios editoriais do PÚBLICO, além do mais porque sei pouco ou nada sobre a matéria. No entanto, como leitor fiel do jornal (que, está implícito, aprecio desde o primeiro número), creio que mereço que me seja explicado por que razão o PÚBLICO publica uma notícia sobre uma questão que, nos termos da própria notícia, afecta 30 juristas (cujos interesses são merecedores de todo o respeito) e acha que não tem interesse discutir (nem que fosse para concordar com a lei, mas assim permitir a discussão do assunto na praça pública) os interesses de centenas de juristas que trabalham a recibos verdes nas Câmaras Municipais, nas Juntas de Freguesia e em muitíssimos departamentos da Administração Central.
Se Você souber e tiver tempo e pachorra para me explicar, eu ficar-lhe-ia muito agradecido.

Valongo, 19.08.2009
João Castro Neves."

O provedor solicitou a José António Cerejo esclarecimentos, tendo-lhe o jornalista reenviado a carta de resposta a João Castro Neves:

"Cheguei hoje de férias e só agora vi o seu mail. Compreendo perfeitamente o seu desagrado, mas garanto-lhe que, em relação à não abordagem do tema que nos propôs há meses, não se tratou de qualquer opção editorial. Quem está de fora pode não perceber, mas é mesmo assim.
O meu colega João Ramos de Almeida não pegou no assunto - e ainda não falei com ele desde que cheguei - por uma de duas ou três razões tão simples como isto: não teve oportunidade, na altura, para estudar a sua abundante documentação e depois nunca mais se lembrou; leu em diagonal e não percebeu o interesse; leu, achou interessante, e pensou tratar do assunto quando tivesse tempo, e depois nunca mais o teve ou esqueceu-se..., etc.!
Você pode perguntar: 'E então quando agora fez esta notícia não se lembrou do material que mandei?' Se não o leu, ou não percebeu, é normal. Se leu e percebeu, aí já é mais difícil de entender. Como não falei com ele não sei.
Em todo o caso posso dizer-lhe que o João Ramos de Almeida começou a trabalhar comigo no Diário de Lisboa e, com as suas características próprias, é daqueles que, nomeadamente no noticiário sobre questões laborais, se destacam pela sua atitude de independência.

José António Cerejo."

O provedor solicitou entretanto a João Ramos de Almeida um comentário ao facto de ter relatado o problema particular de um grupo mas não o mesmo problema afectando um grupo muito maior. Eis as suas explicações:

"O leitor em causa sublinha, em síntese, duas questões essenciais:
1) Por que razão o PÚBLICO esqueceu uma questão sugerida por um leitor jurista, que presta serviços à administração pública, mas acabou por a abordar meses mais tarde, embora relacionada com outros juristas? E questiona-se se essa razão foi: a) critérios editoriais discutíveis; b) opção do jornalista João Ramos de Almeida.
2) Por que razão o PÚBLICO preferiu uma situação que afecta 30 juristas e esqueceu a situação de centenas de juristas que trabalham para a administração pública?
Ora, o leitor engana-se nas duas questões colocadas.
A questão abordada no artigo escrito por mim não é, de todo, a mesma questão sugerida pelo leitor.
A lei 12-A/2008 referida pelo leitor estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas e, ao que parece, obriga também a administração pública à contratação de profissionais independentes através de sociedades em detrimento da contratação individual.
O artigo do PÚBLICO referia-se à contratação de juristas a 'falsos recibos verdes' pelo organismo público que tinha por obrigação zelar pelo cumprimento da lei laboral – a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT). O mesmo organismo, cujo primeiro responsável sugerira publicamente, em Abril de 2008, no âmbito da discussão da revisão da legislação laboral, ao arrepio do Governo, a criminalização do uso abusivo de 'falsos recibos verdes'. Os referidos 30 juristas, quase a totalidade dos juristas nessa situação, redigiram uma carta, enviaram-na aos diversos grupos parlamentares e desencadearam uma luta pela regularização da sua situação laboral. Uma luta que teve o apoio precisamente da associação portuguesa dos inspectores de trabalho, que reúne a grande maioria dos inspectores de trabalho da ACT. Era a primeira vez que funcionários da ACT questionavam a legalidade das práticas da própria inspecção que afirma condenar todos os casos semelhantes que se lhe deparem nas empresas e que propunha que a lei fosse alterada – como o foi no Código do Trabalho de 2008 –, porque, tal como estava, não permitia a sua sanção efectiva.
Não é preciso ser jornalista para entender que 30 juristas nesta situação têm um interesse público que extravasa o seu número. O facto de a ACT 'entender' as práticas ilegais das empresas quanto ao uso de 'falsos recibos verdes' pode explicar o fracasso no combate a esse fenómeno. Aliás, essa foi uma das questões que o artigo suscitou no Parlamento.
Dito isto, é de referir que o assunto sugerido pelo leitor tem interesse. O José António Cerejo passou-me os elementos enviados pelo leitor, mas muitas vezes não se consegue fazer tudo.

João Ramos de Almeida."

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