sexta-feira, 6 de março de 2009

Mais sobre a "sórdida campanha"



A última crónica do provedor, procurando ver se há no PÚBLICO uma "campanha negra" contra José Sócrates, motivou algumas reacções:

Já houve "democracia popular", "democracia orgânica",... e há a "democracia liberal", a nossa segundo o sr. Director do PÚBLICO. Que mais tipos/formas de democracias temos/iremos ter?

Sobre a campanha Sócrates ou outras informem os factos. E opinem com isenção - o que é isenção?

Henrique Pereira

Uma vez que, neste domingo, acaba por fazer, a meu ver, uma leitura, apesar de tudo, benigna da linha editorial do jornal, no que concerne ao seu tratamento relativamente ao actual primeiro-ministro, vejo-me na necessidade de lhe chamar a atenção para alguns factos dos últimos dias, os quais não mereceram a sua justa ponderação:

i. O editorial de hoje [2 de Março] acaba, mais uma vez, por ir a reboque da opinião de um único partido da oposição (basta ler o insuspeito Vasco Pulido Valente para perceber que, mesmo num ponto quase incontroverso, o PÚBLICO acaba por defender o indefensável);

ii. O fraco destaque, ao nível da capa [2 de Março], dado à escolha de Vital Moreira é, mais uma vez, muito estranho, ainda para mais quando se trata, unanimemente, de uma personalidade que traz aquilo que o jornal há muito vem reclamando no panorama político: a elevação, independência, competência, experiência e abertura do partido à sociedade como critérios a aferir no momento da nomeação de pessoas para as listas eleitorais;

iii. É inquestionável que o actual primeiro-ministro foi o político mais escrutinado de sempre, escrutínio no qual este jornal (o único jornal de referência no nosso país, a meu ver) se destacou (v.g. caso da licenciatura, caso dos projectos das casas, caso das escrituras), ainda para mais agora quando, e como já se referiu a isso, um dos seus jornalistas [José António Cerejo] se constituiu assistente no processo-crime Freeport (esqueceu-se foi de referir que esse jornalista já tem processos com o primeiro-ministro, além de que o seu advogado é conhecido pelas suas deliberadas intenções políticas, donde, a meu ver, se trata, claramente, de uma situação que não se compagina com a isenção que é exigida a qualquer jornalista);

iv. Pergunto se este jornal já realizou, ou encontra-se a realizar, algum trabalho de investigação sobre o passado de algum político actualmente no activo, isto é, a exercer algum cargo político de relevo. Apenas o passado do primeiro-ministro é questionável e pejado de situações de relevante interesse público? Não há muito, existiu um jornal neste país que primou pela investigação. Contudo, O Independente revelou casos relativos a diversos políticos de diversos quadrantes políticos;

v. Esta questão, a meu ver, é mais do que legítima. O jornal toma o rumo que quer. Todavia, caso assuma interesse em trabalhos jornalísticos de análise detalhada da vida de um político, deverá, em consequência, proceder de forma igual para com os outros. Caso contrário, é considerado como um jornal anti-Sócrates, como actualmente é considerado. Ou o Provedor julga que as muitas reclamações que lhe são dirigidas o são porque estes leitores são facciosos ou socratistas empedernidos? É que este jornal, até hoje, nunca revelou uma linha tão clara contra este Governo, e é dito, por muita gente, que a oposição do Governo à OPA da SONAE [proprietária do PÚBLICO] sobre a PT (caso ela fosse feita, hoje em dia seria catastrófica a situação da SONAE) foi o ponto de viragem na linha editorial deste jornal (infelizmente, não tenho tempo nem meios para proceder a um estudo rigoroso do número de notícias e editoriais que se realizaram após aquilo, bem como o seu conteúdo);

vi. Último parágrafo do editorial de 27-02-2009, assinado pelo seu director: Se tal acontecer (aparecer no congresso do PS um desmancha-prazeres a criticar o líder), estejam atentos: é possível que, como quem não quer a coisa, ande alguém de camisola de gola alta e casaco de cabedal a cirandar pela tribuna dos dirigentes com um ar ligeiramente enfadado. Fixem-no, pois é assim que às vezes nascem os “meninos de ouro”;

vii. Parece-me que o tom usado revela tudo. E é este tom que depois se reflecte na linha do jornal. Trata-se de uma linguagem cifrada (a princípio achei que se referisse ao primeiro-ministro, até pela expressão "menino de ouro" usada na biografia por ele autorizada. E já vi o próprio assim vestido. Além de que a expressão facial parece ser a dele quando está zangado. Mas seria a outro? Santos Silva, Silva Pereira, José Seguro? Não sei. Reconheço a minha ignorância perante este editorial tão denso e profundo), a roçar o mau gosto, obscura, pessoalizada (isto é, quase dirigida ad hominem e não aos seus leitores) e reveladora de um preconceito relativamente ao primeiro-ministro e aos seus actuais dirigentes que, depois, só pode dar na expressão "eleição à norte-coreana", que o director apenas podia ter decoro em não ser utilizada no jornal;

viii. Acaso é desconhecida a situação na Coreia do Norte, esse Estado ditatorial, militarista e monárquico comunista? Acaso esta expressão foi utilizada no congresso do PCP que, como se sabe, encerrou as portas para a eleição (desconheço que a jornalista São José Almeida, possuidora das suas fontes à prova de bala, tenha tido interesse em revelar o que ocorreu às portas fechadas) e no qual só foi apresentada, como sempre, uma lista única? Congresso no qual, como sempre, o regime norte-coreano continua ser apelidado, favoravelmente, de um Estado resistente ao imperialismo e ao capitalismo?

Tudo isto conjugado permite, a meu ver, questionar a isenção e a própria independência deste jornal.

Nuno Ferreira


1. Mais uma vez lamento que, ao referir o meu nome [Sérgio Brito] na coluna de hoje, tenha dito que "não há incongruências nos quadros apresentados". Ora,

2. Os quadros apresentam 11 ou 12 fracções, que correspondem, porém, a sete fracções diferentes, porque há repetição de algumas com revendas, e falam na existência de 20 fracções no prédio e limitam-se aos preços de 7 ou 8 fracções!
Isto não são incongruências, é informação isenta!

3. Diz ainda - e julgo que é sua a autoria - que "o preço da escritura é abaixo do mercado", mas o valor médio quer por m2 quer global das fracções - à excepção das isentas de sisa - é da ordem do preço da fracção de José Sócrates, aliás confirmado por preço da tabela da imobiliária à data. Mais ainda: os valores disparatados das isentas de sisa não poderiam ter a ver com uma eventual "lavagem de dinheiro"? Mas isso não interessa aos jornalistas. Hoje em dia há legislação que obriga os promotores a informações para controlo e à data?

4. Doutro lado, não é despiciendo saber qual o valor patrimonial fixado pelas Finanças à data das escrituras vs. valor das escrituras e/ou valor patrimonial de 2006. Mas isso não interessa focar! Não interessa ao leitor em nome da isenção do PÚBLICO!

5. Infelizmente, sou obrigado a reiterar: o provedor do leitor não pode ser recrutado na classe mais corporativa portuguesa (veja-se como todos reagem ao que Sócrates disse sobre "campanhas de director de jornal ou televisão" e todos se sentem atingidos como "virgens ofendidas", como se na classe houvesse alguma virgem!).

Sérgio Brito

Relativamente à reclamação deste leitor, Sérgio Brito, mencionada na crónica, o provedor dissera não ter recebido do director adjunto Paulo Ferreira uma resposta atempada. Ela chegou entretanto, com a explicação de que houvera um mal-entendido:

O PÚBLICO utilizou dados referentes a 11 apartamentos diferenciados porque estes tinham dados representivos: áreas diversas, transaccionados em anos diferentes, uns comprados por particulares, outros por empresas e preços também diferentes. O PÚBLICO fez mesmo questão de mostrar que havia vários apartamentos comprados na mesma altura por preços muito idênticos ao escriturado por José Sócrates, para mostrar que este não era o único caso a desviar-se dos preços praticados por compradores isentos do imposto de sisa. Se houvesse, da nossa parte, alguma desonestidade intelectual, poderíamos ter omitido um ou todos esses casos. Mas isso não seria, obviamente, jornalismo.

O preço por metro quadrado é o melhor indicador utilizado no mercado imobiliário. No entanto, isto não deve confundir-se com o preço total do apartamento, como faz o leitor. O preço por metro quadrado permite comparar o custo de apartamentos com áreas diferentes na mesma zona ou no mesmo prédio.

O valor tributário atribuido pelas Finanças resultou de actualização monetária feita em 2006 e que foi igual para todos os apartamentos do prédio. É irrelevante se foi fixado desta forma ou da outra, uma vez que os valores atribuídos pelas Finanças estão hoje muito mais próximos dos valores do mercado imobiliário. São mais verdadeiros.

Concordo com o leitor que é muito invulgar que alguém pague o imposto de sisa antes ainda de assinado um contrato-promessa de compra e venda. Por regra, esse pagamento é feito uns dias antes da escritura. que, no caso de José Sócrates, foi feita dois anos após o contrato-promessa.

Confundir o papel de escrutínio da imprensa com o de "bufos" ou atribuir-lhe qualquer "sanha persecutória" é, no meu entender, não perceber nada sobre um normal funcionamento de uma sociedade livre e democrática.

O trabalho feito pelo PÚBLICO é honesto, é relevante e é inteiramente legítimo numa sociedade que se quer atenta e exigente. Ele encontra, aliás, paralelo regular em investigações feitas noutros países em relação a governantes e personalidades com funções públicas.

Paulo Ferreira

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