terça-feira, 1 de julho de 2008

Uma pré-publicação diferente

A 26 de Maio, vem na página 47 do PÚBLICO um artigo de opinião de José Manuel Durão Barroso. Este artigo, intitulado "Um intelectual indispensável", é um elogio a João Carlos Espada e ao seu livro Liberdade e Responsabilidade Pessoal. Segundo a nota final do artigo, diz-se que o mesmo foi adaptado do prefácio para o dito livro. Ora bem, nisto surgem duas questões principais e algumas outras questões secundárias:

1. Qual a razão para a publicação deste artigo?

Dedica-se o PÚBLICO agora a fazer recensão editorial de livros?
Fá-lo só porque esta foi escrita pelo Presidente da Comissão Europeia (PCE)?
Fá-lo porque o dito PCE é português?
Fá-lo porque o tema, liberalismo, é caro ao director do jornal?
Um pouco de clareza sobre o assunto seria interessante e, creio, fundamental.

2. Se o artigo foi adaptado do prefácio, quem fez a adaptação?

O próprio autor? Nesse caso por que razão não o escreveu de raiz?
Um jornalista ou editor? Se sim, quem?
O director?
Seja quem for o responsável pela edição do prefácio, pergunta-se qual a razão de essa indicação não estar presente no fim do artigo.

3. Por que razão se indica que é um prefácio a um livro e se indica a editora?

Tem o PÚBLICO interesse em publicitar a obra?
Tem o PÚBLICO interesse em publicitar a editora?

O mínimo que se exige neste caso é clareza. Não se entende o interesse na publicação do artigo. Nem é um artigo de opinião original, nem os princípios base de jornalismo parecem estar esclarecidos. Faria bem resolver este assunto, até porque fica a sensação de que terá sido publicado apenas e só porque o director do PÚBLICO concorda com o pensamento do autor do livro. Se o PÚBLICO quer passar a possuir uma linha editorial definida, poderá fazê-lo. Mas nesse caso que mude o seu Livro de Estilo, os seus princípios orientadores e deixe de fazer estas publicidades encapuçadas.

João Sousa André

O provedor pediu esclarecimentos sobre esta questão ao director do PÚBLICO, que enviou a seguinte resposta:

Como o leitor faz muitas perguntas, algumas repetitivas, vou passar a explicar o critério para a publicação daquele texto.

a) O PÚBLICO edita, praticamente todas as semanas, no P2, pré-publicações de livros. Por vezes isso corresponde a solicitações que fazemos às editoras, pois conhecemos os livros, outras vezes são as editoras que enviam livros para que possamos avaliar e escolher, ou não, uma pré-publicação. Sempre que o fazemos indicamos o autor e a editora do livro em causa;

b) Recebemos da Princípia uma proposta de pré-publicação do livro de João Carlos Espada (antigo colunista do jornal) Liberdade e Responsabilidade Pessoal, que incluía textos saídos no PÚBLICO.

c) Ao recebermos o livro verificámos que este continha um conjunto de textos do autor, sobretudo os mais antigos, que seria interessante publicar (designadamente texto sobre o que é ser de esquerda e ser de direita escritos na década de 1980), mas que incluía também um prefácio escrito por José Manuel Durão Barroso.

d) Depois de avaliarmos o que seria mais interessante, chegámos à conclusão de que este último texto, para mais original e escrito por uma figura pública conhecida, era o que poderia ter mais interesse para os leitores. Contudo, tratava-se de um tipo de texto que não se integrava exactamente no espírito das pré-publicações do P2, sobretudo devido à sua carga opinativa.

e) Optou-se então por editar o texto nas páginas de opinião (“Espaço Público”), tendo-se procedido a uma ligeira adaptação, de resto seguindo uma prática habitual em muitas pré-publicações, quer por razões de espaço (para que extractos por vezes demasiado longos caibam no espaço que temos reservado), quer para adaptar, por exemplo, tempos verbais ou, no caso de traduções, seguir as regras de nomenclatura do nosso Livro de Estilo. Essas adaptações são feitas, por regra, na redacção, às vezes já com o texto em página, e foi exactamente o que aconteceu naquele caso.

f) O resultado foi um texto de opinião cujo interesse principal, na análise que foi feita, resultava de existir algum paralelismo nos percursos ideológicos do actual presidente da Comissão Europeia e do autor, paralelismos que suscitavam uma reflexão que não é muito comum, pois raramente políticos e intelectuais assumem com abertura a evolução do seu pensamento.

g) O texto vinha bem identificado e não se prestava a confusões: o PÚBLICO faz recensão editorial de livros, por regra no suplemento Ípsilon, e sempre num espaço próprio devidamente assinalado; um prefácio nunca poderia ser por nós editado como recensão de um livro; um prefácio pode ser editado como qualquer outra parte de um livro, em pré-publicação, desde que isso seja devidamente assinalado, como era o caso, tendo até havido o cuidado de referir que o texto tinha sido adaptado. O carácter muito pontual da adaptação, que o leitor poderá confirmar confrontando com o texto original, pois o livro já está nas livrarias, não justificava qualquer assinatura, pois não tinha carácter autoral nem alterou o conteúdo essencial do texto.

h) Se muitas das perguntas do leitor indicam que este nunca reparou que o PÚBLICO edita com frequência quase semanal pré-publicações sem que isso faça dele uma editora dessas obras ou um promotor das respectivas editoras (que foram muitas e variadas, tendo as pré-publicações abrangido temas muito diversos e incluindo autores com muitas e variadas sensibilidades políticas), o seu comentário final parece mostrar que não distingue a diferença entre textos jornalísticos e textos de opinião e que nunca reparou que nas páginas de opinião do jornal se editam textos que defendem posições muito variadas, porque sempre foi essa a opção do jornal e deste director em particular.

i) A publicação de um texto de opinião, para mais esporádico, não implica a opção por qualquer linha editorial específica, como é fácil verificar todos os dias. Aquele texto não era excepção à regra.

j) O director do PÚBLICO, quando tem de o fazer, não escolhe para as páginas de opinião textos em função de concordar ou não com o pensamento dos respectivos autores, algo que também é muito fácil comprovar. O critério é o da qualidade dos textos e de a resultante assegurar a maior pluralidade possível de pontos de vista. Julgo que Portugal terá tido poucos directores de jornais, se é que teve algum, que abriram tanto as páginas das publicações que dirigem a textos que os criticam abertamente como eu abro, algo que até já foi reconhecido em estudos académicos. Da mesma forma não devo vetar textos interessantes só porque existem neles afinidades com o que penso. A liberdade que aqui existe é para todos.

José Manuel Fernandes

NOTA DO PROVEDOR. Não sendo este um procedimento habitual do PÚBLICO no que respeita a pré-publicações, o provedor não encontra porém qualquer razão para pôr em causa a opção editorial adoptada.

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