terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A regra do jogo

Esta não é ainda a primeira crónica do novo provedor do leitor do PÚBLICO. É um texto de auto-apresentação, e por isso permito-me excepcionalmente usar a primeira pessoa do singular. Dado que o cargo é unipessoal, convirá aos leitores conhecerem minimamente o perfi l de quem agora o assume. Descrevo-o na medida em que nunca antes tinha colaborado para este jornal. Possuo título profi ssional de jornalista há 33 anos, após frequentar um curto curso de formação em Paris. Fiz passagens como repórter pela RTP (incluindo os tempos áureos da Informação 2) e o Expresso (onde trabalhei com dois futuros fundadores e provedores do PÚBLICO, Jorge Wemans e Joaquim Fidalgo), acabando por aí ocupar um cargo directivo. Estive fugazmente na revista Visão, como redactor principal, antes de ser convidado por Joaquim Furtado, então director-coordenador da RTP (e também futuro provedor do PÚBLICO), para assumir a direcção de programação da RTP1 e da RTP2. Ainda voltei ao jornalismo activo como director da revista Grande Reportagem, mas nos últimos anos tenho-me dedicado sobretudo à autoria e direcção de projectos editoriais relacionados com história contemporânea e à produção e realização de documentários.

Fui co-fundador e dirijo desde há 14 anos o Observatório da Imprensa, uma associação privada sem fi ns lucrativos formada por profi ssionais ligados aos media com vista a promover a qualidade no jornalismo. Tal experiência, aliada à de professor convidado num curso universitário de Ciências da Comunicação e de formador na área profi ssionalizante do jornalismo, facilitou-me a aceitação do convite que, há mês e meio, José Manuel Fernandes, em nome da direcção do PÚBLICO, me endereçou para suceder a Rui Araújo como provedor deste periódico.

Os leitores poderão legitimamente desconfi ar da isenção de um jornalista (à semelhança, aliás, dos meus antecessores, todos já aqui citados) na avaliação de queixas contra a actuação de outros jornalistas. Nessa matéria, é inútil dar aqui garantias: o público será no futuro o melhor juiz do meu mandato de provedor. Mas tenho a pretensão de julgar que década e meia de constante crítica dos media, no âmbito já atrás mencionado, me colocam a salvo da suspeita de cumplicidades corporativas.

De qualquer modo, não acredito na existência de uma oposição entre jornalistas e público, muito menos numa luta de classes entre as duas partes. Pelo contrário, creio que ambos convergem num objectivo central – a obtenção de mais informação, o mais completa e credível que for possível. É porém natural que o público queira exprimir insatisfação por um serviço informativo que ache mal prestado (e que haja jornalistas empenhados em o aperfeiçoar). É aí que intervém o provedor.

Do meu entendimento mais específi co quanto ao exercício destas funções se aperceberão os leitores a partir do próximo domingo. Mas impõem-se ainda algumas considerações preliminares acerca do papel de uma provedoria no contexto da actividade dos media. Numa sociedade democrática, o jornalismo decorre do exercício de um direito fundamental: a liberdade de expressão e informação. Este direito é universal e não deve sofrer restrições, a não ser as que protejam outros direitos e liberdades dos cidadãos. A sua formulação ideal é porventura a da Constituição norte-americana, cuja primeira emenda proíbe o poder político de elaborar qualquer lei que impeça ou limite a liberdade de expressão ou de imprensa. No caso português, o Artigo 37º da Constituição estabelece que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”.

Este princípio, uma conquista das sociedades contemporâneas ocidentais, garante naturalmente uma ampla margem de liberdade ao jornalismo (até a asneira é livre, assim como o “jornalismo de sarjeta” que tanto preocupa o actual ministro dos Assuntos Parlamentares), o que leva alguns a lançarem alarmes quanto aos “excessos” dos media , por vezes até em tom apocalíptico, como se os órgãos de informação estivessem a destruir o próprio tecido social.

Publicada em 6 de Janeiro de 2008

1 comentário:

Anónimo disse...
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